segunda-feira, 1 de junho de 2009

Agricultura Selvagem

“(…) entre os métodos agrícolas naturais podiam distinguir-se dois tipos: a agricultura natural ampla, transcendente, e a agricultura natural restritiva do mundo relativo (o mundo apreendido pelo intelecto). Ampla, a agricultura natural (…) cria-se a si própria quando existe uma unidade entre o Homem e a Natureza. Ela conforma-se à Natureza tal como ela é e ao espírito tal como ele é. Resulta da convicção de que se o indivíduo abandonar temporariamente a vontade humana e permitir que a Natureza o guie, esta responde fornecendo-lhe tudo. Façamos uma analogia simples: a relação entre a humanidade e a Natureza na agricultura selvagem transcendente pode comparar-se ao marido e à mulher unidos por um casamento perfeito. O casamento não é dado, nem recebido; o casal perfeito nasce a partir de si próprio. A agricultura natural restrita, por outro lado, procura o caminho da Natureza; através de métodos “orgânicos” e outros, ela tenta conscientemente seguir a Natureza. Utiliza-se a agricultura para atingir um objectivo dado. Ainda que amando a Natureza e desejando sinceramente desposá-la, a relação permanece experimental. A agricultura industrial moderna deseja a sabedoria divina, e, sem lhe apreender o sentido, quer ao mesmo tempo utilizar a Natureza. Procurando sem descanso, é incapaz de encontrar alguém a quem propor o casamento.

Uma visão restrita da agricultura natural diz que é bom que o agricultor forneça matérias orgânicas ao solo, que é bom criar gado, que a melhor maneira e a mais eficaz é utilizar a Natureza assim. Em termos de prática pessoal, está correcto, mas o espírito da verdadeira agricultura natural não pode manter-se vivo com esta única via. Este tipo de agricultura natural restrita é análoga à escola de esgrima conhecida como a escola de um só golpe de espada, que procura a vitória através da aplicação hábil mas consciente de uma técnica. A agricultura industrial moderna segue a escola dos dois golpes, que acredita que se pode alcançar a vitória levando a cabo um assalto furioso de golpes de espada.

A agricultura selvagem pura, por contraste, é a escola do sem-golpe. Ela não se dirige para lado nenhum e não busca a vitória. Pôr em prática o “não-agir” é a única coisa que o agricultor deve esforçar-se por realizar. Lao-Tsé falava da Natureza não-activa, e penso que se tivesse sido agricultor decerto teria praticado a agricultura selvagem. Creio que o caminho de Gandhi, um método sem método, agindo num estado de espírito que não procura nem ganhar nem opor-se, é aparentado à agricultura selvagem. Quando compreendermos que perdemos alegria e felicidade no afã de as possuirmos, realizaremos o essencial da agricultura selvagem. O objectivo final da agricultura não é fazer crescer as colheitas, mas sim o cultivo e a realização dos seres humanos.” (Fukuoka, in “A Revolução de Uma Palha”, 2001)

0 comentários: